Como foi visto no texto anterior, a Astronomia se vale das leis da Física para descrever os comportamentos dos sistemas celestes. Na segunda parte dessa sequência de textos, visarei apresentar uma concepção mais geral acerca do que seja a Astronomia e compará-la com outras ciências, que são a Física, Astrofísica e a Cosmologia. Por fim, tentarei dar alguns exemplos de estudos feitos nessas áreas e de um exemplo discutível a respeito de uma lei formulada para se descrever um comportamento associado aos astros, que se trata da Lei de Hubble, que descreve como ocorre a expansão do universo.
A Física é a ciência mais fundamental de todas as ciências naturais pois é a ciência que aborda a natureza do modo mais geral possível. Há algumas escolas de pensamento que defendem que tudo se resume às “leis físicas” e às entidades que tais leis se reportam, mas isso não será discutido aqui. A questão é que a Física estuda o movimento e a interação que se dão com todos os sistemas existentes no universo, desde partículas elementares como quarks e elétrons, até o universo como um todo (sistema total). Tais sistemas possuem uma série de propriedades, além de se comportarem de formas bastante específicas e preditivamente regulares. Os movimentos e as interações também apresentam propriedades. Por exemplo, ao se equacionar (expressar alguma relação entre elementos com o sinal de igualdade) um conjunto de grandezas, está se restringindo os valores que cada grandeza pode apresentar em função da outra. Como grandezas são propriedades físicas quantificadas, como massa, carga, spin, força, torque, energia, trabalho e outras, isso estará restringindo as possibilidades de um sistema se comportar, pois como são propriedades dos próprios sistemas e do movimento e das interações e os sistemas interagem e se movem, ao longo do espaço-tempo, isso estará descrevendo simbolicamente, como esses sistemas se comportam. O exemplo é da segunda lei de Newton, cuja expressão matemática corresponde a uma igualdade entre o somatório vetorial das forças e do produto da massa pela aceleração (ΣF=ma). Em palavras, essa expressão matemática diz que quanto maior for o valor da força resultante correspondentes às interações atuantes num sistema, maior será a aceleração exibida por ele. Como é uma relação vetorial, decorre-se (devido a considerações geométricas) que a força e a aceleração terão a mesma direção e o mesmo sentido. Fisicamente isso corresponde a vários casos observados no cotidiano, como empurrar uma cadeira inicialmente em repouso em relação ao seu próprio referencial. Pode-se exprimir também de tal relação, a descrição do que ocorre ao se considerar um aumento da massa desse sistema ou sistemas com massas maiores, para se tentar acelerá-lo, que como mostra a relação de igualdade e proporcionalidade, precisa haver um maior valor da intensidade das interações resultantes. É preciso esclarecer que a força resultante não é uma propriedade de uma interação fisicamente real, mas meramente um artifício matemático que corresponde a um somatório das intensidades das interações mecânicas fisicamente reais (como por exemplo, peso, atrito, interação elétrica) no limite de intensidades não muito grandes. Seu valor coincide com o valor desse somatório vetorial, de modo bem aproximado. A força resultante é definida como sendo uma força que, atuando sozinha em um sistema ao invés das interações em que um sistema está submetido, ela produziria o mesmo movimento translacional (com a mesma aceleração), como se houvesse apenas uma interação real, que correspondesse a uma compensação líquida de todas as interações físicas no sistema. Isso advém do princípio da superposição linear que é a essência da segunda lei de Newton. Um sistema pode não exibir aceleração nenhuma, mesmo que hajam interações fisicamente reais atuando neles, pois tais interações podem se compensar de modo a se anularem numericamente. A partir dessa relação, pode-se esboçar valores num gráfico, colocando a força em função da aceleração, considerando uma massa m constante. O gráfico será representado por uma reta, em que a massa será o coeficiente angular dessa reta. Os gráficos também são uma forma de se visualizar o que acontece nas ocorrências físicas em que se tem a variação de uma grandeza relacionada com a variação de outra. As grandezas também são associadas a unidades de medida, pois pode-se mensurar tais valores, como por exemplo, medir a massa de um sistema em uma balança, cuja unidade no sistema internacional é kg.
Em todos os modelos descritíveis da realidade física, existirão equações que mostrarão vários casos de simetrias comportamentais, relacionando vários tipos de grandezas, indo desde o comportamento de partículas elementares, passando por átomos, moléculas e redes cristalinas, chegando em estruturas macroscópicas como pessoas, engrenagens, molas, veículos, o próprio ar e também, considerando a própria Terra, além das demais estruturas macroscópicas, como estrelas, planetas e até, o próprio universo. A Física contemporânea trata de casos que vão mais além disso, centrando-se em entidades físicas que não podem ser detectadas diretamente e em ocorrências que fogem completamente das noções do senso comum, sendo extremamente contra-intuitivas, como por exemplo, a energia escura e a expansão do universo, o comportamento dual das partículas, a curvatura do espaço-tempo e vários outros casos. Como a Física também aborda o movimento e a interação que ocorrem com os astros, descrevendo as propriedades por meio de diversas relações físicas, fazendo-se uso de requintados e avançados recursos matemáticos, a Astronomia é uma ciência que é visivelmente ligada a Física, como já exposto no texto anterior. Mas a Astronomia ainda é uma ciência a parte. Realizar observações a respeito do movimento dos astros, descobrir novos planetas, bem como montar um catálogo de sistemas celestes, convenientemente formulado a partir de suas características posicionais e de movimento, são estudos típicos da Astronomia. Já o que corresponde a investigação de como os astros podem ser vistos aqui na Terra, como se movem em órbitas elípticas e como se movem em órbita do outro, são estudos que pertencem à Física. Para se ter uma ideia, os astros emitem radiação eletromagnética e a radiação eletromagnética só é detectada aqui na Terra pois interage com os observadores. As ondas eletromagnéticas tratam-se de campos elétricos e magnéticos auto-propelentes e os campos magnéticos e elétricos são estudados pela Física, em Eletromagnetismo. Os planetas orbitam em torno do Sol e suas órbitas podem ser descritas em termos da força gravitacional associada a interação desses astros e a interação gravitacional é estudada em Física na parte de Mecânica, mas a gravitação também pode ser entendida na parte de Relatividade Geral. Esses exemplos devem ser capazes de deixar claro a distinção entre Física e a Astronomia. A Física é dividida em quatro áreas principais, que são: Mecânica Clássica, Eletromagnetismo, Termodinâmica-Estatística e Mecânica Quântica (entendendo aqui que Relatividade Geral e Restrita são casos especiais da Mecânica Clássica).
Além das áreas já consideradas, existem duas outras áreas que se ocupam do estudo de ocorrências e estruturas que se situam além da atmosfera terrestre. A Astrofísica pode ser entendida como uma área específica da Física, que estuda a natureza, as propriedades, a evolução e a composição dos astros. Vale-se das quatro áreas da Física supracitadas para descrever os aspectos físicos dos astros. Um dos tópicos estudados pela Astrofísica é a evolução estelar, bem como o processo de formação das estrelas e como se dá a geração de radiação que é emitida no espaço, nos processos que se dão no núcleo estelar. Para isso, vale-se de estudos realizados nas áreas da Física e então, aplica-se a casos específicos. O exemplo é o estudo da estatística quântica, em Física, que pode ser aplicado para se descrever o comportamento das estrelas de nêutrons e das anãs brancas, onde existem um gás degenerado de férmions. O próprio processo de colapso das estrelas, bem como a formação de buracos negros, também é objeto de estudo da Astrofísica. A Cosmologia também é uma área específica da Física, que se trata do estudo da evolução a da estrutura do universo como um todo. Essa área não está interessada em estudar o comportamento dos astros isoladamente, mas considera distâncias intergaláticas (e não mais interplanetárias e interestelares) e até, entre aglomerados e superaglomerados de galáxias, que são da ordem de milhões e bilhões de anos luz. São nessas distâncias que os efeitos da expansão se tornam relevantes e pode-se descrever o universo como um todo através de vários modelos cosmológicos, como por exemplo, as equações de Friedmann e a Lei de Hubble. A lei de Hubble é uma lei que descreve a expansão do universo, que pode ser expressa matematicamente relacionando a taxa de expansão (que não pode ser confundida com velocidade) dos sistemas em questão e da distância que eles estão separados, tendo como referência o observador. A constante de Hubble aparece como uma constante de proporcionalidade nessa equação e corresponde ao inverso do tempo de existência do universo. Esse tempo de existência do universo é considerado como 13,8 bilhões de anos, a partir de mensurações mais recentes da constante de Hubble. A própria evolução do universo é descrita pela teoria do big bang, que descreve como o universo evoluiu a partir de um volume tendendo a zero. É exatamente nessa situação que existem demarcações entre a Física e outras áreas do conhecimento, já que nem a Cosmologia, que se reduz a Física (pois até mesmo depois do momento zero, existem considerações quânticas e relativísticas), provê uma explicação e nem uma descrição a respeito da origem do universo.
Finalmente, quero apresentar uma concepção da Astronomia que a trata como uma ciência mais geral. A Astronomia pode ser vista como uma ciência em que a Astrofísica e a Cosmologia são ramos e dessa forma, a Astronomia se ocuparia do estudo de tudo que esteja fora da atmosfera e superfície terrestre. Nessa concepção, abordaria também, além do movimento e a posição dos astros, as suas propriedades físicas, além da composição, bem como a estrutura e a evolução do universo como um todo. No entanto, como discutido anteriormente, as propriedades dos astros, os seus comportamentos, bem como a própria evolução do universo, são descritas por sub-áreas da Mecânica Clássica, Termodinâmica, Eletromagnetismo e Mecânica Quântica, que são áreas da Física. Portanto, apesar da Astrofísica e da Cosmologia estarem de certa forma relacionadas com a Astronomia, ainda não fazem parte dela. Física e Astronomia são ciências naturais distintas, assim como Química e a Biologia, que também possuem áreas específicas, como a Astroquímica e a Astrobiologia. No entanto, todas essas áreas físicas tratam de sistemas em nível de complexidade baixo (mesmo que possam descrever o comportamento de milhões de átomos num gás, por exemplo), em que não se considera o nível biológico de funcionamento (o funcionamento do sistema nervoso humano, por exemplo) e nem sequer os níveis políticos, econômicos e sociais, que são imensamente mais complexos. Não existe uma lei física por exemplo, que descreva como se dá o processo da formação da consciência ou que seja capaz de prever mudanças sociais e culturais da sociedade.
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