Afinal, do que se trata a Astronomia? - Parte I

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Para começar, vou delimitar o que eu viso nessa sequência de textos, para que tudo fique bem claro e não hajam confusões. Aliás, um dos propósitos do texto é, justamente, o esclarecimento. A intenção não é apresentar uma nova concepção acerca do que seja Astronomia e sim, dar uma ideia do que seja. É importante entender que ao estudar o que quer que seja, devemos saber do que se trata e ter uma boa ideia de cada termo pertencente à área de estudo. A Astronomia, assim como outras áreas do conhecimento, possui sua própria terminologia. Outro ponto dessa sequência de textos será introduzir uma abordagem filosófica a respeito das ciências, indo um pouco além da Astronomia, mas não tocando na parte histórica e sociológica da ciência com o devido rigor necessário.

A Astronomia é, antes de tudo, uma ciência e como qualquer ciência, é uma atividade humana, mesmo que o que ela aborde sejam entes e ocorrências que se apresentem na realidade chamada de objetiva, que aqui estarei entendendo como a realidade em se supõe que os elementos existem e funcionam de modo independente da existência do sujeito, mesmo que para serem conhecidos dependam das percepções sensoriais ou experiência externa dos seres. Então, se a Astronomia é uma ciência que aborda entes e ocorrências, que tipos de entes e ocorrências ela aborda? Qual é a delimitação? Como esses estudos funcionam? Os entes estudados são sistemas que estão fora da superfície e da atmosfera terrestre, como planetas, luas, estrelas, asteroides, planetoides, nuvens de gás, galáxias e outros. Mesmo um meteoro que entre em combustão ao adentrar na atmosfera terrestre, também é objeto de estudo da Astronomia, mas não porquê pode ser visto pelo telescópio e sim, porque é proveniente de lugares externos em relação à superfície e atmosfera terrestre. As ocorrências estudadas pela Astronomia são todos eventos que esses entes experimentam, como por exemplo, eclipses lunares e solares, a mudança de brilho de um planeta, a mudança da localização dos astros em geral e assim por diante. Através dos estudos dessas ocorrências, pode-se fazer várias previsões, que podem ser úteis para se construir calendários, por exemplo. A Astronomia portanto, é uma ciência puramente observacional (no que se refere à base para se realizar previsões), uma vez que os elementos de estudo se encontram fora da superfície e atmosfera terrestre. As previsões são feitas com base nos dados colhidos e das observações a respeito dos comportamentos regulares dos sistemas celestes em geral (planetas, luas, estrelas etc).

O cerne dos estudos feitos nessa área é, portanto, uma investigação, pesquisa e sistematização do conhecimento que se pode ter acerca do movimento e da posição dos astros, bem como das previsões disso tudo. No entanto, a Astronomia não busca formular leis a respeito das ocorrências que se dão com os astros, em termos gerais, como por exemplo, através de alguma lei que enuncie um comportamento regular de forma genérica, obtida através da indução. Muito menos diz algo a respeito do porquê os astros se comportarem de determinada maneira e não de outra maneira. Não diz nada a respeito, por exemplo, do porquê o brilho dos astros ter uma certa magnitude, ou ainda, do porquê dos astros se moverem em primeiro lugar. Também se vale das leis de uma outra ciência para realizar estudos acerca dos astros, que no caso, é a Física, que eu voltarei a falar na segunda parte do texto. Mesmo as leis não dizem nada sobre o porquê de algo ocorrer. Como disse o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, na sua obra Tractatus Logico-Philosophicus, “A grande ilusão da modernidade é que as leis da natureza explicam o universo para nós. As leis da natureza descrevem o universo, elas descrevem as regularidades. Mas eles não explicam nada”. Trata-se de algo bastante patente e justificável. As leis são proposições que, poderiam estar associadas a um conteúdo descritivo, normativo ou explicativo. Nenhuma lei da natureza vai prescrever algum comportamento natural (elas não determinam nenhuma ocorrência) e nem sequer vai deter informações a respeito das causas primeiras e razões últimas de algo ocorrer, de modo a explicar o que ocorre, que se trata das questões teleológicas e metafísicas a respeito. Elas podem ser verificadas na medida que podemos averiguar o que elas enunciam, ou seja, seu valor de verdade depende da experiência, ao contrário das proposições tautológicas, que são necessariamente verdadeiras. Você pode descrever, por exemplo, como seu deu o processo de um projétil disparado por uma arma atingir alguma pessoa, valendo-se das leis da física, como conservação de energia e a lei da ação e reação. Mas as leis não conterão nada que diga o motivo de se ter disparado o tiro e nem sequer se o que foi feito é correto ou não, bom ou mau e outros valores. O que a lei pode descrever é que considerando a existência de um certo agente A (a pessoa que disparou o projétil com a arma) e das demais entidades que participaram da ocorrência (arma, pólvora, munição, molas e tudo o mais), a bala vai se comportar de uma maneira específica e os atributos que possui (como energia cinética e quantidade de movimento) ao serem quantificados, vão exibir determinadas variações de seus valores, havendo relações matemáticas que expressam como isso se dá, como a equação do trabalho resultante para sistemas dissipativos. Mas parte da existência desses agentes e desses mecanismos, bem como das variadas relações de causa-efeito existentes. Portanto, eliminando as possibilidades de leis serem proposições explicativas e normativas, resta a consideração de que são descritivas. Como C.S. Lewis disse: "As leis da natureza não produzem evento algum. Elas especificam os padrões aos quais todo evento, uma vez que tenha sido induzido, deve se conformar. Do mesmo modo que as regras da aritmética especificam os padrões que qualquer transação monetária deverá obedecer, isto é, se você já tiver todo o dinheiro. Assim, em certo sentido, as leis da natureza cobrem todo o campo do espaço-tempo. Em outro sentido, excluem precisamente todo o universo real: o fluxo incessante de eventos que perfazem a verdadeira história. Isso deve provir de outro lugar. Pensar que as leis podem produzir o universo é como pensar que pode criar dinheiro real apenas fazendo contas. Pois em última instância, toda lei diz: Se você tiver A, logo mais terá B. Mas a posse de A é uma pré-condição. As leis não podem criá-lo. A contabilidade, mesmo continuada pela eternidade, jamais produzirá um centavo."

A partir dessas considerações, pode-se concluir que a Astronomia é uma ciência descritiva e se vale das leis físicas para descrever e realizar previsões das localizações e dos movimentos dos sistemas celestes. Mas o próprio conteúdo dessas ciências é amplamente restrito e sua limitação é facilmente vista, dado que elas não dão conta de responder uma ampla série de questões e muitas delas, questões fundamentais. Disso, pode-se inferir que não se pode falar de estudos astronômicos por exemplo, para resolver problemas de ordem epistemológica, lógica, teológica, teleológica, metafísica, ética e artística. Mesmo que uma pessoa admire muito a imagem de uma nebulosa, a Astronomia não dirá nada a respeito da beleza ou da feiura dessa imagem. Tampouco os estudos astronômicos servem para normalizar as ações humanas e nem para se tecer considerações a respeito das causas primeiras e razões últimas, como no caso do surgimento do universo. Não serve para refutar e nem provar a existência de elementos que estão inseridos em outras realidades, como anjos, espíritos, demônios e deuses. Como é uma atividade humana, dependem da existência de pessoas para passar a ser uma investigação e sistematização, como dito acima, além também, de contar com a suposição de que o comportamento da natureza é compreensível por seres inteligentes e também, que existe um mundo externo em relação às percepções mentais, independentemente da razão de existir e das causas que provocam a existência das particulares ocorrências que se manifestam na natureza.




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