Reflexão ontológica das definições de "vácuo", "vazio", "nada" e considerações sobre tempo e espaço

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     Há muita confusão quanto aos conceitos das palavras "vácuo", "vazio" e "nada". É muito comum se deparar com documentários ou certos artigos sobre física que abordam o "vácuo" sendo o espaço vazio ou até mesmo, as vezes, "o nada". Pretendo esclarecer e distinguir essas três definições nesse artigo e mostrar que na verdade a distinção é muito mais simples que se pode imaginar e trata-se de uma mera constatação e reflexão do significado das próprias palavras.

     Primeiramente, devemos entender que espaço e tempo não são elementos apriorísticos do universo. Em verdade, só existem em função do conteúdo substancial (e refiro-me ao significado filosófico e não químico de "substância") do universo, que são matéria, radiação e os campos (estes os mais básicos). Espaço vem a ser o conjunto de todas as localizações possíveis que alguma coisa pode "estar". Já o tempo vem a ser o conjunto de todos os momentos que uma coisa também pode "estar". As alterações no estado do conteúdo do universo (ocorrências) se dão com as entidades substanciais do universo ao longo do tempo e do espaço.

     A existência do tempo decorre justamente da modificação do estado do conteúdo substancial do universo. Se tudo permanecer estacionário, sem haver nenhum tipo de movimento e interação de espécie alguma, não há como se fazer o cômputo do "tempo", uma vez que nem sequer há momentos distintos que caracterizam um "antes" e um "depois". Isso inclusive pode ter acontecido várias vezes enquanto eu teclei para redigir esse artigo. Mas isso é algo que é impossível de ser sabido. Entretanto não há nada que impeça de ocorrer. O interessante é que há um ordenamento nessa passagem temporal que é o que se conhece por "flecha do tempo" ou ainda "seta do tempo". Isso tem a ver com a segunda lei da termodinâmica que estatui que em um sistema isolado (e portanto, fechado), a entropia nunca pode decair (pode permanecer constante nos processos reversíveis). Nos processos irreversíveis a entropia tende a aumentar. Como há transformações irreversíveis no universo (o seu próprio envelhecimento), a entropia global tende a aumentar. Esse aumento de entropia é que indica o sentido do tempo, isto é, o fato de sempre irmos para o futuro e nunca voltarmos para o passado.

     Quanto ao espaço, de fato, não existe sem haver algum conteúdo que o ocupe. Oras, se o espaço é a coleção de todos os lugares que algo pode estar ocupando, se não haver algo, não há espaço. E as entidades mais fundamentais são os campos. No big bang, o que existia na época de Planck era somente campo puro indiferenciado ocupando espaço. Somente com as posteriores quebras de simetria é que o universo evolveu e os quanta de matéria e radiação passaram a existir. Não se sabe ainda, contudo, como esse conteúdo primordial com seu continente veio a existir. Notem que se o universo estava em uma configuração sem haver passagem de tempo, antes mesmo de começar a expandir, não se pode falar que existiu "sempre", pois sem tempo não há como se estabelecer as relações de "passado", "presente" e "futuro". Logo, não se pode dizer que o universo permaneceu existindo indefinidamente para o passado. Aliás, nem "antes" havia. Se o universo surgiu e logo que surgiu começou a expandir, também não faz sentido cogitar sobre o que havia "antes" desse início da expansão. A não ser que o universo seja eterno e então de fato, pode-se conceber o passado do universo como se estendendo ao infinito negativo na linha temporal e desse modo, sempre há um "antes". Notem que se o universo for mesmo eterno, não quer dizer que começou a existir em um tempo atrás muito longo. Dizer que é eterno quer dizer exatamente que nunca começou a existir! Havendo um "começo" já não se pode mais cogitar sobre "eternidade" (em relação ao pretérito).

    Pois bem, interpretando-se bem o que foi dito acima, podemos partir para as definições de "vácuo", "vazio" e "nada". Vácuo é qualquer região do espaço em que não há matéria (com exceção aos neutrinos). Todavia, nem toda região que denominamos "espaço sideral" é vácuo. Há 5 prótons por centímetro cúbico no espaço interplanetário, 1 próton por centímetro cúbico no espaço interestelar (desconsiderando as nebulosas) e 1 próton por metro cúbico dentro do espaço intergalático. No entanto, há regiões em que existem apenas campos e radiação, sem haver átomos, prótons ou qualquer tipo de partícula constituinte da matéria ou até mesmo qualquer aglomerado delas (como um gás) que se possa conceber. Vácuo vem a ser justamente essas regiões. A radiação cósmica de fundo, a radiação advinda das estrelas de todas as galáxias e os campos gravitacionais, de Higgs e dos campos da matéria, de fato, também ocupam o vácuo (ou podem ocupar). Isso tudo ainda incluindo neutrinos (neutrinos cósmicos de fundo do big bang e todos os neutrinos emitidos pelas reações nucleares de decaimento nas estrelas, planetas e outros corpos celestes) e os campos elétricos e magnéticos que ali podem permear. Mas não áxions, neutralinos, WIMP's e as outras supostas partículas exóticas que compõem a matéria escura, que não fazem parte do "vácuo".

     Vácuo quântico é uma região do vácuo onde há campos leptônicos e bariônicos que dão azo ao surgimento de partículas e antipartículas (mar de Dirac), por flutuações aleatórias. Vale frisar que além desse conteúdo substancial, há o receptáculo no qual esse conteúdo evolve, que é o espaço-tempo.

     Espaço vazio é uma região hipotética onde só haveria espaço, sem haver as entidades substanciais (campos, matéria e radiação) ocupando e por conseguinte, nem tempo. Isso nunca existiu e não existe no universo. Como já mencionei acima, espaço e os constituintes substanciais do universo são indissociáveis. Pode haver espaço sem tempo mas não pode haver tempo sem espaço (não existe comutatividade nesse caso).

     Por fim, "nada" (e não "o nada") é um pronome indefinido que designa exatamente, a ausência de tudo que se possa imaginar (campos, matéria, radiação, tempo, espaço (até mesmo espaço vazio), ocorrências e até a escuridão, bem como abstrações, conceitos e qualquer entidade de qualquer categoria da realidade que se possa imaginar). "O nada" seria a hipotética entidade que não contém coisa alguma (e nem espaço e tempo). Ora, não existe "o nada". Pensar "no nada" como tendo uma existência objetiva (fora das mentes) é uma contradição filosófica, pois "nada" não pode ser relacionado a um substantivo, uma vez que pela sua própria definição é ausência até das próprias entidades (como mencionei acima) e das "coisas" que a representação linguística dos "substantivos" pode fazer alusão.

     Muitos físicos quando dizem que o universo veio do nada referem-se na verdade ao vácuo quântico, que não é "o nada" e muito menos nada! Trata-se um jargão bem comum porém, impreciso, atribuir o surgimento do universo ao "nada". Tais físicos que cometem esse tipo de gafe ontológica são Stephen Hawking, Leonard Mlodinow e Lawrence Krauss. Uma leitura atenta e reflexiva de suas obras revela um desentendimento colossal de filosofia e de sua interseção com a física por parte desses cientistas. Acho que um físico deve ser antes de tudo, um filósofo.

     A física é a ciência mais fundamental da natureza. Vai descrever os aspectos mais gerais e primordiais da realidade natural, algo que a filosofia também pretende abordar. Trata-se de uma questão metafísica e portanto, filosófica, investigar a existência do que a física aborda (que fundamentalmente são os campos), bem como categorizá-lo, conceitualizá-lo e relaciona-lo com as demais entidades do universo. Portanto, em absoluto, não há nenhum motivo para banir a filosofia e nem de promover uma incompatibilidade da mesma com as demais ciências.

Links para aprofundamento de estudos:
https://www.amantesdaastronomia.com.br/2016/09/materia-e-energia.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Nada

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