Ao
longo da história da humanidade, vários modelos escatológicos surgiram para
explicar como o mundo poderia acabar. Antes de surgirem ciências como física,
astronomia e a posterior cosmologia (que advém das duas ciências supracitadas),
havia apenas mitos para explicar o apocalipse. Várias religiões e crenças
acabaram fazendo parte da história por preverem diferentes cenários
apocalípticos, embasados em crendices, porém, sugerindo cenários aterradores.
As versões científicas a respeito do fim do mundo surgiram quando começamos a
se debruçar na física e suas derivadas, em que com o acúmulo de conhecimento a
respeito da natureza, descobrimos que o Sol já está com o seus dias contados e
a matéria provavelmente não existirá para sempre. De fato, nem a própria luz,
como a conhecemos. A resposta que conseguimos arrancar da natureza por
experimentação e observação parece não ser menos aterradora que as sugeridas
pelas religiões e crenças criadas pela nossa espécie. Além disso, trata-se de
algo que podemos prever que vai acontecer, embasando-se em evidências empíricas
e conhecimentos anteriormente já confirmados. Cosmologia é o estudo da origem,
da evolução e das estruturas do universo. O que nos interessa hoje, é a parte
da evolução, uma vez que quando abordamos acerca dos possíveis destinos do
universo, estamos falando sobre a evolução do mesmo. Aliás, há que ficar bem
claro a distinção entre "mundo" e "universo". O que
chamarei de "mundo" aqui é o planeta em que vivemos, ou seja, o
planeta Terra. Universo é o conjunto de tudo o que existiu, existe e existirá
(portanto, engloba o "mundo"). É importante frisar que o que eu
falarei aqui não é, em absoluto, crença individual nenhuma. Trata-se do que
sabemos a respeito do universo baseado nos dados cosmológicos mais recentes e
precisos. Como um fisicalista reducionista, considero que podemos descrever
absolutamente tudo baseando-se na física. Não consigo pensar em nada que não
seja físico. Não digo que as outras áreas da ciência não são importantes e não
são necessárias, só digo que elas se reduzem à física. Há várias razões para
considerar que a física seja a ciência mais fundamental. Uma delas é que a
física é quem descreve os constituintes fundamentais do universo, que são
campo, matéria e radiação (mas não energia, pois energia não é uma entidade e
sim um atributo das entidades). Tudo é formado de campo e matéria (e interage
através da radiação), além de ocupar um certo espaço e "estar" em um
certo momento no tempo. Tempo e espaço também são entidades e também descritas
pela física. Logo, tudo é, em seu âmago, físico. Desde a queda de um objeto até
a expansão do universo. Enfim, podemos agora, abordar os possíveis destinos do
cosmo.
Há quatro cenários físicos-cosmológicos que retratam o possível
destino do universo. Começarei falando sobre a hipótese do big crunch (grande
trituração). O big crunch seria exatamente o oposto do big bang, isto é, ao
invés de haver expansão do espaço (galáxias se distanciam uma das outras,
entretanto, sem saírem do lugar), o espaço contrai e a distância entre os
pontos diminui, de modo que na medida que o tempo passa, tudo passa a ficar
mais perto e por consequência, a temperatura aumenta. Então, após um certo
tempo, galáxias colidiriam e estrelas seriam jogadas umas contras as outras.
Tudo ficaria cada vez mais compacto, e a densidade do universo seria cada vez
mais estupidamente grande. Então, a distância entre as estrelas ficaria cada
vez menor e buracos negros ficariam cada vez maiores (pois engoliriam cada vez
mais matéria). Planetas se chocariam um com os outros e estrelas engoliriam
planetas. Chegaria a um ponto em que tudo seria engolido por um buraco negro
que na medida que o tempo passasse, ficaria cada vez menor, pois o espaço
contrairia cada vez mais, chegando ao tamanho do sistema solar, depois no
tamanho do Sol, depois no tamanho da Terra, depois caberia na palma da sua mão
e depois ficaria menor que um átomo. Então, tudo voltaria a ser campo não
quantizado (sem haver matéria e radiação, apenas campo puro) inconcebivelmente
denso. Nem mesmo as partículas elementares sobreviveriam. O que aconteceria
depois desse fim catastrófico? O universo poderia voltar a se expandir! Como se
ricocheteasse e a energia interna contida no campo, fosse liberada para formar
a massa das partículas elementares. Então a descrição do modelo inflacionário
do big bang se aplicaria novamente. O interessante é que se isso for verdade, o
universo pode ser eterno, uma vez que esse ciclo pode ser interminável. Pode
ter acontecido, mas não é o que as evidências empíricas sugerem. Constatou-se
em 2011 (o que rendeu prêmio nobel de física), que a expansão do universo é
acelerada. Para um possível big crunch ocorrer, a expansão deveria estar
desacelerando. Além do mais, a sonda Planck revelou padrões na imagem da
radiação cósmica de fundo (imagem de quando o universo tinha 380.000 anos) de
que o universo não possui geometria esférica ou é curvado positivamente (assim
como o planeta Terra). Na verdade, o universo parece ser plano (quer dizer que
segue a geometria euclidiana). A densidade do universo também parece não
exceder o valor crítico, isso quer dizer que não há conteúdo massivo-energético
que impeça ou retarde a expansão. Tudo isso nos leva a apontar a teoria do big
rip (grande rompimento) como a teoria que está de acordo com os dados mais
recentes e descreve a evolução do universo. Aliás, é por isso que a chamamos de
"teoria".
Espaço contraindo no big crunch |
A teoria do big rip descreve o destino final do universo como um
grande esgarçamento do tecido espacial-temporal, provocado por um campo
impropriamente chamado de "energia escura". Esse campo atua no espaço
fazendo com que se expanda e a energia que contém acelera a expansão. Não se
sabe praticamente nada ainda a respeito desse campo. A proposta do big rip foi
publicada primeiramente em 2003 e de acordo com os cálculos, não demoraria mais
que bilhões de anos para que a matéria se esgarçasse. Na verdade, isso depende
da constante de Hubble e do valor Ω da densidade do universo. Essa
"quintessência" então que desconhecemos e que é responsável pelo
expansão do cosmo, dominaria a matéria e não haveria nenhum campo gravitacional
suficiente para sobrepujar essa expansão. Sendo o big rip uma tendência
assintótica, na medida que o tempo passar, o espaço entre as galáxias se
expandirá significativamente, bem como o espaço entre as estrelas e também o
próprio espaço entre os átomos! Os planetas se despedaçarão, as estrelas se
esgarçarão, as moléculas se romperão. Os átomos do nosso corpo deixarão de
existir e tudo o que restará será um campo puro extremamente rarefeito. Isso
decorre do fato das partículas elementares do universo serem excitações
quânticas de seus respectivos campos. Então, com a expansão, a densificação
(que formou a partícula quantizada) se desfará e as partículas retornarão ao
estado de campo. O universo continuará a se expandir cada vez mais rápido para
sempre. O tempo parará assintoticamente (isto é, chegará cada vez mais perto de
cessar) e a radiação também deixará de existir. As ondas terão comprimentos de
trilhões de anos luz e esse comprimento tenderá ao infinito. Com isso, a
frequências das ondas tenderão a zero, ou seja, deixarão de existir
assintoticamente. A temperatura decairá assintoticamente bem como a densidade
de energia dos campos que restarem. A observação de uma expansão acelerada
indica esse destino fatal do universo. A densidade de massa-energia também
parece estar de acordo. Porém, ainda há outras hipóteses sobre o destino do
universo, as quais descreverei logo a seguir.
Espaço se esgarçando no big rip |
O próximo cenário do qual falarei é o
chamado "big freeze" (também conhecido como big chill, que significa
"grande congelamento") que seria a morte térmica do universo. Antes
de falarmos sobre essa hipótese, devemos entender que o universo é o conjunto
de tudo o que existe (como já foi mencionado). Não existe lado de
"fora" do universo. Se existirem outros universos, eles são
incomunicáveis. Cada universo abrange sua totalidade. Portanto, o universo é um
sistema isolado (não troca energia com a vizinhança, pois nem sequer existe) e
fechado (não troca matéria). Sendo assim, de acordo com a segunda lei da
termodinâmica, a entropia nunca pode decair. A entropia mede a desordem de um
sistema. Mas, para bagunçar um sistema, é preciso que calor seja fornecido.
Então, as moléculas começam a transladar em torno de um centro de massa
(portanto, possuindo energia cinética) e a medida disso é a temperatura. A
entropia é definida pela razão do calor cedido ou recebido por unidade de
temperatura absoluta. Ou seja, a entropia em um sistema aumenta mais se a
temperatura for menor que outro sistema, fornecendo-se a mesma quantidade de
calor. Isso decorre do fato do sistema de menor temperatura estar menos
"bagunçado" que o outro sistema. No caso do universo, como nunca cede
calor (lembre-se, é um sistema isolado), a entropia global sempre aumentará.
Nesse modelo, o universo também se expande, mas a matéria não é esgarçada. O
que acontece, é que na medida que o tempo passa, o universo se arrefece cada
vez mais e não há mais trabalho para ser realizado. As estrelas queimam por
fusão nuclear por trilhões de anos e acabam exaurindo seu combustível, acabando
em anãs negras. Buracos negros serão cada vez mais frequentes e engolirão as
estrelas mortas. As ondas eletromagnéticas que vagarão pelo cosmo tenderão a
deixar de existir (uma vez que com a expansão, a frequência tenderá a zero,
como eu falei no cenário do big rip). O universo então, ficará cada vez mais
escuro, rarefeito e frio. A entropia continua a aumentar cada vez mais até que
se maximize. Assintoticamente à essa tendência, o tempo também deixará de
passar, tornando-se cada vez mais "lento" a passagem dos momentos do
universo. O universo continua a se expandir, indefinidamente. Mas nada se
esgarçará. Talvez quando essa hipótese foi cunhada, eles não levaram em
consideração a aceleração da expansão do universo. Por isso, talvez, foi aceita
como a melhor para explicar o destino do cosmo. Sobre a questão da vida, chega
a ser até ingênuo perguntar o que vai acontecer. O simples fato de não haver
mais nenhuma fonte de energia, não poderá haver nenhum tipo de organismo vivo.
Pior... Os buracos negros engolirão tudo e os prótons não existirão mais. Até
mesmo os buracos negros morrerão, pois evaporarão por radiação hawking. Mas ainda
é cedo para isso acontecer, estamos na década cosmológica que compreende 10
bilhões a 100 bilhões de anos do universo. As décadas cosmológicas são
definidas pelo logaritmo da idade do universo. Portanto, estamos na décima
década cosmológica.
No cenário do big freeze, o espaço se expande sem se esgarçar, mas a temperatura do universo vai diminuindo com a passagem do tempo
|
O último cenário é talvez o mais surpreendente e bizarro dentre
todos os citados. Chama-se transição de estado de falso vácuo para vácuo
verdadeiro. Primeiramente, precisamos entender o que os físicos chamam de
"vácuo". Vácuo não é apenas uma região sem ar, mas também, sem
qualquer tipo de matéria. As únicas exceções são os neutrinos, que apesar de
serem férmions, eles interagem apenas fracamente (pela força nuclear fraca) e
atuam mais semelhantemente à radiação. Vazio seria um espaço do universo sem
conteúdo nenhum. Isso não existe e nunca existiu. Todo o espaço do universo é
ocupado por campos e radiação, seja de estrelas ou da radiação advinda da era
do desacoplamento posterior ao big bang. O vácuo é uma região de
potencialidade, ou seja, algo pode surgir de lá espontaneamente. É o que
ocorria a todo o momento segundos após o big bang. Como falei, campos ocupam o
vácuo. Um desses campos, é o campo fermiônico (ou campo da matéria), que pode
se quantizar por flutuações quânticas aleatórias, formando férmions (como os
quarks e os elétrons) e anti-férmions, sempre aos pares. É isso que
provavelmente ocorre nas adjacências do horizonte de eventos do buraco negro.
Pares de partícula e antipartículas surgem e uma cai e outra escapa. Isso que é
a radiação hawking. A massa das partículas advém da energia que a flutuação
quântica englobou no volume infinitesimal que depois são identificadas como
"quanta". Pois bem, sabendo-se disso, podemos abordar o conceito de
"falso vácuo". Falso vácuo seria um estado metaestável do universo
(isto é, não totalmente instável e nem estável) que representa um mínimo local
na função de energia dos campos x valor dos campos φ. Por mais que seja um mínimo local, não é o
estado de vácuo com menor energia. Esse estado contém mais energia que o
estado de "vácuo verdadeiro" apesar de ser metaestável. A mensuração
de valores da massa do bóson de higgs bem como do quark top parecem indicar que
vivemos em um falso vácuo. Isso quer dizer que se conseguirmos energia
suficiente para excitar o campo de higgs, de modo que ele se adense, o falso
vácuo poderia decair para um verdadeiro vácuo e liberar a energia que continha.
O produto disso seria uma expansão cósmica sem precedentes, que se fosse
comparada a uma velocidade (apesar da expansão ser uma taxa do quão rápido o
universo se expande), seria na velocidade da luz. Isso quer dizer que antes
mesmo de vermos algo, o horizonte já teria se afastado e nós provavelmente já
teríamos virado uma sopa de partículas elementares. Quem sabe isso não
aconteceu já em algum lugar do universo observável e essa "onda" não
nos alcançará um dia... Certamente que irá demorar, mas pode ter acontecido.
Uma analogia a isso seria de uma bola presa a uma saliência de uma determinada
superfície, contendo energia potencial gravitacional (pois está a uma certa
altura do solo). Um toque que seja nessa bola, ela pode cair e liberar a
energia potencial em cinética. É mais ou menos isso que pode ocorrer na transição
de vácuo. Isso pode ocorrer a qualquer momento. Aliás, é o que se teme que
aconteça no LHC, com os bombardeamentos de partículas. Mas muita coisa ainda
não foi confirmada. Se comparado aos outros cenários previamente discutidos,
diria que é o mais improvável de acontecer. Mas improvável não significa
impossível de acontecer. As pessoas que ganham na loteria tinham baixa
probabilidade de ganhar (assim como os outros) e mesmo assim ganharam.
Enfim, há outras hipóteses que sugerem diferentes
destinos do cosmo, mas eu citei as mais plausíveis. Quanto ao fim da vida na
Terra, certamente que acontecerá antes de qualquer evento desses. Penso que o
fim inevitável para nossa espécie será quando o Sol expandir e virar uma
gigante vermelha, não necessariamente engolindo a Terra (provavelmente chegará
até a órbita de Vênus), mas secando todos os oceanos e liquefazendo o planeta.
Se tivermos tecnologia para migrarmos para outro lugar, talvez para a lua
Europa de Júpiter, teremos que vencer outros desafios, como a baixíssima
temperatura. De qualquer jeito, não podemos evitar o nosso fim. Uma hipotética
solução para isso seria a de migar para outros universos, mas isso é só ficção
científica. Não existe nenhuma evidência de que universos paralelos existem,
tanto a versão cosmológica como a da hipótese das cordas. Nossa extinção é
inexorável e não há nada que possamos fazer.
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