Uma pessoa que tenha um razoável conhecimento sobre astronomia e física,
em algum momento, já deve ter ouvido falar sobre a “singularidade”, da qual,
supostamente, o nosso universo emergiu para a existência há cerca de 13,8
bilhões de anos atrás. Mas é impossível falar dessa tal “singularidade” sem
tangermos à teoria do big bang, uma vez que essa teoria descreve a evolução do
universo a partir dos primeiros instantes de existência cósmica, marcada pelo
início da expansão do universo. Discorri um texto sobre o “big bang” na nossa
página e acho que para poder acompanhar esse artigo, deve-se primeiramente ler
o texto que eu discorri. Para acessá-lo, basta entrar neste link: Nesse
texto foi mencionado e distinguido várias coisas importantes que muitas pessoas
leigas em física (e infelizmente, algumas pessoas versadas em física também)
saem espalhando por aí erroneamente sobre a teoria do big bang. Um desses erros
fatais, é a noção de que a teoria do big bang é a teoria da origem do universo
e que descreve o surgimento do universo como uma gigantesca explosão de
energia. Ora, como já foi mencionado, a teoria do big bang não é uma teoria da
origem do universo e sim da evolução do mesmo. Falar que a teoria do big bang
retrata o surgimento do universo é o mesmo que falar que a teoria quântica
retrata as órbitas dos planetas (que certamente é errado, uma vez que as
órbitas dos planetas são descritas pela gravitação e pelas leis de Kepler).
Enfim, são pontos bem importantes que devem ser esclarecidos a priori para
falarmos sobre singularidade. Quando o universo tinha 10^-43
segundos de existência (ou 0,0000000000000000000000000000000000000000001
segundos) o tamanho do universo observável se reduzia a 10^-35 metros
(comprimento de Planck). O que havia era um campo puro indiferenciado e a
densidade bem como a temperatura, eram estupidamente grandes. Quando os físicos
falam que a densidade era altíssima, eles referem-se a densidade de energia desse
campo que havia no início da existência do universo. Campo aliás, é a entidade
mais fundamental do universo. Tudo é feito dele (até ele mesmo) e nada é mais
primitivo que campo. As partículas fermiônicas (matéria) e as bosônicas
(mediadoras de interações) são quantizações de campo. O tempo só pôde surgir
com a existência de um campo e o espaço também. Espaço só existe se existir
algo para se caber, uma vez que é a coleção de lugares em que o conteúdo pode
“estar”. Campo possui extensão, logo, ocupa espaço. O tempo por sua vez, é a
coleção de momentos e só existe se o estado do universo se alterar. Ou seja, se
tudo permanecer estacionário, o tempo não passa, pois não há como distinguir um
momento do outro (uma vez que não há mais eventos). Pode haver espaço sem tempo
mas não pode haver tempo sem espaço (a comutatividade não é válida nesse caso).
Na era de Planck, todas as forças fundamentais da natureza estavam
integradas em uma única super-força. Não sabemos ainda como descrever
precisamente essa unificação, pois a gravidade não é descrita pela teoria
quântica (essa que pretende quantizar a gravidade e abordá-la como uma
interação) mas sim, descrita pela teoria da relatividade geral de Einstein (que
aborda a gravidade como sendo a geometria do espaço). A ideia da singularidade
surge quando a relatividade geral de Einstein prevê uma contração do espaço do
universo até um volume nulo e com isso, a densidade teria que ser infinita (bem
como a temperatura). Só que essa ideia se quebra com a teoria quântica, pois é
impossível haver campo em um volume nulo (como já falei, campos possuem
extensão).Uma das formas de elucidar essa questão então, é unificar a gravidade
com as demais interações do universo e tratá-la em termos de física quântica,
ou seja, quantizá-la. É o que tenta a hipótese M (que incluir as supercordas e
a hipótese das branas), sugerindo a existência da partícula gráviton (que por
sinal, nem sequer foi detectada). Pode que um dia essa hipótese venha a ser
chamada de “teoria”, mas penso que terá que trilhar um extenso caminho para
ganhar foros de teoria científica (se é que é um modelo correspondente à
realidade). Outra forma de elucidar essa questão é simplesmente descartar a
singularidade. Oras, se é impossível haver temperatura e densidade infinitas em
volume nulo, então o universo deve ter surgido já com um certo volume (mesmo
que infinitesimalmente pequeno) não nulo. Dessa forma, há descrição tanto
quântica quanto relativística e temos um universo que se expande de um volume
muito pequeno e de uma situação espumosa (espaço extremamente curvado pela
densidade de energia do campo). As posteriores quebras de simetria também se
aplicam (com a gravidade se separando das interações eletromagnéticas e
nucleares fortes e fraca) e o universo pode se expandir de forma inflacionada
como sugerido por Guth e outros cientistas.
Resumindo, com a navalha de Occam empregada, livramos-nos de vários
problemas. Claro que a questão da descrição da unificação da gravidade com
força nuclear forte, fraca e com a força eletromagnética não é resolvida
através dessa explicação, mas penso que é isso que está trilhando a hipótese M.
Outra coisa que deve ser mencionada aqui, é que o universo inteiro não estava
reduzido ao tamanho de um átomo no big bang. Era apenas o universo observável
(porção do universo que podemos ver pois houve tempo suficiente para a luz
emitida de galáxias distantes chegar até nós). O universo inteiro, como apontam
as observações mais recentes, é infinito. Isso quer dizer que ou ele é plano ou
hiperbólico (nesse caso não segue a geometria euclidiana). Se ele é infinito,
sempre será e sempre foi. Isso é perfeitamente possível. Claro que é, pois o
universo de fato é infinito. Expansão do universo não significa aumento de
tamanho do universo (pois o mesmo é infinito e infinito mais qualquer coisa, é
infinito), mas sim, aumento da distância entre os pontos (pois o espaço incha e
carrega o conteúdo). Quanto a hipótese do universo cíclico ou rebotante
(defendida por Mário Novello e outros cientistas), como o próprio nome diz, é
uma hipótese e terá que passar pelo mesmo caminho que (antes hipóteses) da
relatividade, dos quanta e do big bang passaram. As evidências que temos
atualmente indicam que o universo não é cíclico (e que não terminará em um big
crunch), mas que começou há 13,8 bilhões de anos atrás. O cosmólogo Mário
Novello pretende se livrar dessa situação (também descartando a singularidade)
com a proposta de que o universo passar por ciclos infinitos de contração e
expansão sendo, portanto, eterno. Mas isso é apenas uma das hipóteses
existentes para se explicar a origem do universo, que é uma questão em aberto.